Eu preciso dizer que te amo – por Cazuza, Dé e Bebel

“Certas canções que ouço cabem tão dentro de mim, que perguntar carece: como não fui quem fiz!?”. Inspirado por esse mote da letra de Certas Canções, de Tunai e Milton Nascimento, gravada pelo Bituca em 1982, no álbum Ânima, eu quero iniciar uma série comentando um pouco dessas músicas que admiro tanto. E não poderia começar com uma canção que desde a primeira vez que ouvi, aos 16 anos de idade, fiquei extasiado…

Cazuza Pitadas do Sal

Eu Preciso Dizer Que te Amo

Quando a gente conversa
Contando casos, besteiras
Tanta coisa em comum
Deixando escapar segredos
E eu não sei em que hora dizer
Me dá um medo

É que eu preciso dizer que eu te amo
Te ganhar ou perder sem engano
Eu preciso dizer que eu te amo tanto

E até o tempo passa arrastado
Só pra eu ficar do teu lado
Você me chora dores de outro amor
Se abre e acaba comigo
E nessa novela eu não quero
Ser teu amigo

É que eu preciso dizer que eu te amo
Te ganhar ou perder sem engano
Eu preciso dizer que eu te amo tanto

Eu já nem sei se eu tô misturando
Eu perco o sono
Lembrando em cada gesto teu uma bandeira
Fechando e abrindo a geladeira a noite inteira

Eu preciso dizer que eu te amo
Te ganhar ou perder sem engano
Eu preciso dizer que eu te amo tanto

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Cazuza, Bebel e Dé, amigos na vida e na música

O local da criação de Eu Preciso Dizer Que Te Amo foi uma propriedade que a família de Cazuza possuía, em Fazenda Inglesa, Petrópolis, no estado do Rio de Janeiro. Foi composta a seis mãos por Bebel Gilberto, Dé Palmeira (na época namorados) e Cazuza.

Inspirado com a melodia sendo criada, Cazuza – que na época estava lendo muito a Bíblia –  introduziu na letra os seguintes versos: Eu preciso dizer que te amo, desentalar esse osso da minha garganta. Bebel conta que Cazuza queria usar isso e disse a ele que os versos eram muito fortes. “Caju, essa parte não está encaixando muito bem, não tem outra coisa que você queira dizer?”, sugeriu a cantora. Eu fiz uma busca no Google para ver se encontrava esse trecho da Bíblia, mas não obtive resultado.. De acordo com Bebel, esta foi a última música feita para o disco de estreia dela, um EP (extended play), lançado pela WEA, em 1986, batizado com o nome da cantora.

Primeiro disco de Bebel Gilberto (1986)
Primeiro disco de Bebel Gilberto (1986) e que trazia Eu preciso Dizer que Te amo pela primeira vez

“O processo de criação foi espontâneo. Essa música foi muito especial. Era como se o Cazuza estivesse sentado aqui e, por acaso, o violão estivesse ali. A gente começou a cantar, e o canto virou uma música. Não foi aquela coisa de sentar e fazer [a música] (…) A gente estava em frente a lareira da casa, e ela saiu como um filho (…) em 40 minutos”, relembrou a cantora para o livro Eu Preciso Dizer Que Te Amo – Todas as Letras do Poeta, lançado em 2001, com autoria de Lucinha Araújo, mãe de Cazuza, em depoimento à jornalista Regina Echeverria.

Dé recorda que quando chegava nessa frase a música não seguia. “Desentalar esse osso da minha garganta é muito punk. Eu pensei em fazer um blues com essa frase, mas o resto da música é muito romântico”, disse o baixista em um especial para o Canal Bis em 2013. Ele conta ainda que o Cazuza bem tranquilo respondeu,  “pô, porque você não me falou isso antes, cara, peraí”, e subiu para o quarto e em cinco minutos desceu com a nova letra batida a máquina, já com o novo refrão “eu preciso dizer que te amo, te ganhar ou perder sem engano, eu preciso dizer que te amo tanto”. “Ele foi ferino, certo e exato nessa frase. Essa música é o nosso standard. Ela é linda! Eu acho que tinha algum deus ajudando a gente ali, naquele ambiente, naquela casa… Foi tudo certo”, avalia Dé

Apesar do primeiro registro da canção em disco ter sido feita por Bebel, foi a cantora Marina Lima, que em 1987, ao incluir a canção em seu disco Virgem, tornou Eu Preciso Dizer Que te Amo “famosa”. “Foi o Cazuza que me mostrou [a música] numa fita cassete. Tinha o Dé tocando violão, a Bebel cantando e o Caju fazendo uns contracantos. Eu achei que ela tinha a ver com o disco Virgem, que vinha preparando”, lembrou Marina.

Na gravação Marina omitiu a última estrofe da música Eu já nem sei se eu tô misturando/Eu perco o sono/Lembrando em cada gesto teu uma bandeira/Fechando e abrindo a geladeira/A noite inteira. “Eu acho que aquela parte não existe. É totalmente irrelevante da canção. Acho que a música vira uma seta no alvo sem aquela parte”, explicou a cantora sobre o fato. “A Marina não gostou da terceira parte, não achava necessária e gravou da maneira que achava melhor. Eu gosto muito da gravação original, da fita cassete. Mas gosto de todas [as outras gravações], acho que todas as regravações mostram um lado da canção que eu não conhecia”, teoriza Dé.

Marina já era um nome consagrado na música brasileira e considera que ter gravado Eu Preciso Dizer Que te Amo em seu disco de 1987, ajudou a transformar a música em um dos clássicos “oitentista”. “Com certeza. Porque eu sendo compositora, gravei uma música do Cazuza por admiração. E foi um disco que estourou, vendeu muito”, recorda.

Eu Preciso Dizer Que te Amo trata do difícil, delicado e complexo tema de uma relação de amizade que se transforma em amor. Acredito que muitos de nós já tenha passado pela situação de evitar uma possível friendzone, mas ter o receio do outro não “partilhar” os mesmo interesses e por isso mesmo sofrer calado as “dores de outro amor” do amigo.

Léo Jaime, amigo pessoal de Cazuza, e um dos muitos artistas que gravaram Eu Preciso Dizer Que te Amo, diz que, apesar de gostar da canção, incluí-la em seu álbum Todo Amor, de 1995, não foi algo pensado com antecedência. “A ideia de gravá-la foi meio de última hora, e o Dé estava presente, um dos autores. A nossa versão tinha o mesmo corte da letra que a Marina já havia feito. E mudamos completamente a harmonia. Adoro esta música”, relembra Léo, que fez uma versão “diferente” da canção. Ao contrário das outras registradas, num tom mais “intimista”, a versão de Léo Jaime tem a levada de uma balada pop, em que o “eu lírico” assume de uma vez por todas o “risco” de ganhar ou perder e nunca demonstra dúvida de mostrar seu sentimento.

O registro na fita cassete, com Dé ao violão, Bebel e Cazuza nos vocais, que Marina ouviu pela primeira vez, foi feito logo após a composição ser concluída. Na gravação podemos ouvir claramente o barulho da tecla “REC” de um gravador caseiro ser acionada e a voz de Cazuza na sequência “apresentando” a obra, indicando que Bebel iniciará cantando. Para isso ele pede “por favor, não façam barulho no ambiente” e pede pelo “maestro” Dé seguido de um “vai Sapo”. “Foi o primeiro registro numa fita cassete na hora em que finalizamos a canção. Cazuza mandou a letra, mas fizemos a canção os três juntos. “Sapo” nesse caso sou eu, mas todo mundo na época se chamava de vários nomes inventados”, relembra Dé. Em 1988 Cazuza, Dé e Bebel Gilberto receberam o Prêmio Sharp de Música (referente ao ano de 1987) de “melhor música pop-rock”, com Eu Eu Preciso Dizer Que te Amo.

Essa gravação caseira, o primeiro registro de Eu Preciso Dizer Que te Amo, foi recuperada nos anos 1990, remasterizada e lançada oficialmente em 1996, no disco Red Hot + Rio. Além de Bebel Gilberto (1986 e 1992), Marina Lima (1987) e Léo Jaime (1995), a canção foi regravada por Pedro Camargo Mariano (para o especial Som Brasil – Cazuza, 1995), Cássia Eller (Veneno Antimonotonia, 1997), Emílio Santiago (Preciso Dizer Que Te Amo, 1998), Jay Vaquer (Cazas de Cazuza, 2000) e Zizi Possi (Bossa, 2001). Cazuza, Dé e Bebel ainda fizeram juntos Mulher Sem Razão, Minha Flor Meu Bebê, Mais Feliz e Amigos de Bar.

Disco de Rodrigo Santos soa bem aos ouvidos como toda obra pop deve soar

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Motel Maravilha é o nome do quinto disco solo de Rodrigo Santos, cantor, compositor e, para a maioria, o baixista do Barão Vermelho. Porém, já faz seis anos que Rodrigo voa sozinho e aperfeiçoa a cada álbum seu estilo. “Musicaholic”, o músico consegue ainda arranjar espaço em sua agenda para participar de projetos dos amigos, ou mesmo diversificar seu som tocando em outras bandas que também faz parte.

Para dar uma conferida no Motel Maravilha, você pode ouvir as faixas no hotsite do Rodrigo. O trabalho tem participações especiais de músicos como o percussionista Marcos Suzano, parceria com o eterno guitarrista do The Police Andy Summers, além de novas canções com os antigos parceiros George Israel e Mauro Santa Cecília.

No álbum, Rodrigo se preocupou mais com seu lado cantor. É visível, ou melhor, audível a sua evolução como intérprete e toca contrabaixo em apenas quatro canções, das 11 canções do disco.

Desde o grupo Front, do qual fazia parte nos anos 1980, Rodrigo vem sedimentando sua estrada na música brasileira. Por suas cordas já passaram sons da Blitz, João Penca e Seus Miquinhos Amestrados, Léo Jaime, Lobão, Os Britos e Midnight Blues Band, além do Barão Vermelho, é claro.

Em suma, Motel Maravilha comprova que, além de ser o excelente baixista do Barão, Rodrigo Santos é um músico excelente e compositor de primeira. A boa música agradece.

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Aproveite para visitar a página oficial do Rodrigo www.rodsantos.com.br

Segue a entrevista que fiz com Rodrigo por e-mail sobre o novo trabalho e sua carreira

Qual o diferencial, se é que há, desse trabalho para os anteriores?
Rodrigo – Na verdade, em Motel Maravilha eu me concentrei em cantar. Depois de decididas as músicas (apresentei 30 para escolher 11, junto com Nilo Romero, produtor do CD), falei para o Nilo como eu queria cada canção que eu tinha apresentado a ele apenas com voz e violão. Ele foi fazendo no estúdio e me mostrando, eu acrescentava coisas, ideias, direcionamentos e chegávamos a conclusões juntos sobre os arranjos. Gravei apenas quatro dos 11 baixos. Nos outros discos, eu gravei praticamente tudo. Diferentemente dos meus outros CDs solo, nesse coloquei um naipe de metais em quatro das 11 faixas, o que deu um caráter mais festeiro ao projeto. Gravei ainda uma parceria internacional, a música “Me Dê Um Dia A Mais”, com letra minha e música de Andy Summers, meu ídolo e guitarrista do The Police. Fizemos 10 músicas juntos, essa entrou em Motel Maravilha. Acho que há uma evolução vocal e de composição e o Nilo acertou a mão. Ele arrebentou, assim como já havia feito nos discos de Cazuza e Moska.

O que você considera como fator preponderante para manter uma carreira atualmente e cativar o público?
Rodrigo – Repertório bacana e desprendimento. Ir para a estrada com um show forte e mostrar seu trabalho para o maior número de pessoas, se arriscar. Conto a minha história no rock nacional através desses shows, das músicas que gravei com Barão, Lobão…  E do meu próprio repertório, que vai aumentando de disco para disco. No show, tenho um lado de entertainer que gosto de exercitar. O resto vem com o tempo. Estive no Rock In Rio 2011 em carreira solo e estarei novamente em 2013, como solista e também com Os Britos. Com o meu trio atual, Os Lenhadores, estamos fazendo uma média de 20 shows por mês, ou seja, o mercado existe, tem que apresentar trabalhos de qualidade.

Muitos artistas estouram no País mas poucos sobrevivem ao segundo álbum. Você chegou ao quinto. Além da qualidade do seu trabalho, que mais você considera como a chave para essa conquista?
Rodrigo – Persistência e criação. Do limão, a gente faz a limonada. Estar antenado com seu público, criar alternativas para chegar até ele, independente da dificuldade e da distância, ou da resposta financeira. Investir no trabalho, persistir, acreditar e o mais importante, realizar. Tirar do papel a boa ideia e  fazer chegar às ruas, aos ouvintes, aos espectadores.

Como é chegar ao quinto disco, em uma época que a indústria fonográfica está tão distante dos seus tempos áureos, como nas décadas de 1970 a 1990?
Rodrigo – O mercado está diferente mesmo, mas as necessidades ainda permanecem as mesmas, apenas trocou de mãos. O objetivo continua sendo fazer o CD chegar ao maior número possível de pessoas, que as canções se tornem conhecidas através de shows, da mídia em geral, portanto, através do trabalho de distribuição e divulgação. Hoje em dia, em 90% dos casos, é o próprio artista, com seus próprios recursos, quem cuida dessas funções – como o CD já não tem o mesmo retorno em vendas, como nas décadas de 80 e 90,  as gravadoras (as poucas que existem) não investem quase nada no marketing dos produtos que lança. O que fiz desde 2007, quando comecei minha carreira solo, foi concentrar as minhas forças na criação, sem me importar em saber como estava o mercado fonográfico, afinal, é preciso criar novas ideias, fazer a roda girar. Inventei shows em cima de uma Kombi, nunca fiquei parado esperando alguém fazer alguma coisa por mim. As redes sociais são importantíssimas nessas horas: eu usei muito a Internet, primeiro com o Orkut, depois Twitter e agora com 3 canais no Facebook.

O que você destacaria do seu trabalho solo, que você jamais conseguiria realizar no Barão?
Rodrigo – Cantar é o principal diferencial, mas acho que o mais importante é que não deixo de curtir ser o baixista do Barão, é uma honra pra mim. Por outro lado, adoro cantar e no Barão já tem um grande cantor, que é o Frejat, então, achei meu jeito de cantar e, principalmente, de entreter as plateias. Fazia isso nos Britos, mas com músicas dos Beatles. Aqui faço com as minhas próprias canções ou com “usucapião” das que gravei nos últimos 30 anos. No meu show canto minha história, seja solo, com Leo Jaime, Miquinhos Amestrados, Kid Abelha, Blitz, Lobão… Sou eu comigo mesmo. E com a presença de dois dos meus amigos e parceiro que representaram cada uma dessas épocas, pré Barão e pós Barão: Kadu Menezes e Fernando Magalhães, com  os quais tenho o power trio Os Lenhadores. A carreira solo também me deu a chance de gravar meus clipes (a música Remédios ganhou clipe com a participação do grande Miéle), fazer projetos com Roberto Menescal, ter cantado com o Ney Matogrosso, Zélia Duncan, Leoni e muitos outros. Essa á a minha realidade nos últimos seis anos.

O que te inspira a compor?
Rodrigo – O cotidiano, tudo o que acontece ao meu redor, perto de mim ou dentro da minha cabeça, que não para um segundo. E também a vontade de sempre andar para frente. Conversas com meus filhos, com a minha mulher sempre se desdobram em letras, minha história pessoal também. E não paro de compor, todo dia escrevo letras, componho melodias…

Como está o relacionamento com os outros integrantes do Barão e se há algum plano de reunir o grupo novamente para algum trabalho novo?
Rodrigo – Está ótimo! A turnê dos 30 anos foi maravilhosa e curtimos bastante cada show. Foi curta, mas intensa. Vem um documentário pela frente, mas não há previsão de volta.